O Curupira


Gosto muito do Curupira e sempre procurei saber mais sobre. Encanta-me pensar que na floresta há quem proteja as árvores e seres que não conseguiriam se esquivar da ação predatória do homem.

Curupira (do tupi-guarani): “curu”: menino, e “pira”: corpo. Ou seja, corpo de menino.
Mas não é um corpo de menino qualquer não. Ouvi dizer que o mais comum deles tem mais ou menos um metro de altura, a pele escuuuuura e uma grande cabeleira voltada para trás, mostrando as orelhas do danado, que são compridas, pontiagudas e cheinhas de pêlos. O nariz é largo e chato, e nele um pequeno chifre espetado. Os olhos são rasgados e vermelhos e a noite ficam acesos feito lanternas, vagalumeando na densa escuridão da mata. A boca, quando arreganhada numa gargalhada assustadora, mostra os dentes branquiiinhos e pontiagudos. Todos parecem ser caninos e a língua é roxa, roxa. No mato, caminha de forma desengonçada, pois seus calcanhares são voltados para frente.

Dizem que apesar de pequeno, mete muito medo. Os poucos caboclos que viram a criatura ficaram horrorizados, não só pela aparência incomum, mas, principalmente, pela loucura que causa àqueles que entram na mata virgem, sem pedir licença, à procura de caça e outras riquezas naturais da fauna e flora, somente por ganância. Por isso é considerado o protetor da floresta, pois confunde o caminho do predador. O infeliz do caçador, perdido e desesperado, acaba enlouquecendo e, já não batendo bem da cachola, esquece o antigo propósito destruidor.

Uma carta do Padre Anchieta datada de 1560 dizia: "Aqui há certos demônios, a que os índios chamam Curupira, que os atacam muitas vezes no mato, dando-lhes açoites e ferindo-os bastante". Os índios, para lhes agradar, deixavam nas clareiras penas, esteiras e cobertores.

Sem mais explicações lá vai um causo pra vcs.

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Havia um homem que era muito amigo de caçar. O maior prazer de sua vida era passar dias inteiros no mato, passarinhando, fazendo esperas, armando laços e arapucas. De uma feita, estava ele de tocaia no alto de uma árvore, quando viu aproximar-se uma vara de porcos-do-mato. Com a sua espingardinha derrubou uns quantos. No momento, porém, em que se preparava para descer, satisfeitíssimo com a caçada que acabava de fazer, ouviu ao longe os assobios do Curupira, dono, sem dúvida dos porcos que matara.
O nosso amigo encolheu-se todo em cima do jirau que armara lá na forquilha da árvore, para esperar a caça, e ficou quietinho, como toucinho no sal. Daí a pouco apareceu o Curupira. Era um molequinho, do qual só se via uma banda, preto como o capeta, peludo como um macaco, montado num porco magro, muito ossudo, empunhando um ferrão, gritando que nem um danado, numa voz muito fanhosa:

- Ecou ! Ecou ! Ecou!

Dando com os porcos mortos, estirados no chão começou a ferroá-los com força, dizendo:

- Levantem-se, levantem-se, preguiçosos! Estão dormindo?

Eles levantaram-se depressa e lá se foram embora, roncando. O último que ficou estendido, o maior de todos, custou mais a se levantar. O Curupira enfureceu-se. Ferreou-o com tanta sustância, que quebrou a ponta do ferrão. Foi então que o porco se levantou ligeiro e saiu desesperado pelo mato a fora, no rumo dos outros. Guinchou o Curupira:

Ah! Você esta fazendo manha também? Deixe estar que você me paga. Por sua causa tenho que ir amanhã à casa do ferreiro pra consertar o meu ferrão.
E lá se foi embora, com sua voz fanhosa esganiçada:

- Ecou ! Ecou ! Ecou !

Passado muito tempo, quando não se ouviam mais nem gritos nem os assobios do Curupira, o homem desceu depressa, correndo até em casa.
No outro dia, logo cedinho, botou-se para a tenda do ferreiro, o único que havia por aquelas redondezas. Conversa vai, conversa vem, quando, lá para um pedaço do dia, com o sol já bem alto, chegou à porta da tenda um caboclo baixote, entroncado de corpo, com o chapéu de couro de sábado sobre os olhos. Foi chegando, e dirigindo-se ao ferreiro:

- Bom dia, meu amo. Você me conserta aqui este ferrão? Estou com muita pressa...

- Ih caboclo, depressa é que não pode ser, pois não tem quem toque o fole. Estou aqui até o ponto dest'hora sem trabalhar por via disto mesmo!

Saltou mais que depressa o caçador, que maldara logo ser o caboclo o Curupira da véspera, o qual se desencantara para vir a casa do ferreiro, como prometera:

- Eu toco, seu mestre.

- E você sabe?

- Sempre arranjo um tiquinho. Tanto mais qu'isso não tem sabença.

O ferreiro acendeu a forja, mandando o caçador tocar o fole. O homem, então, pôs-se a tocá- lo devagar, dizendo compassadamente:

- Quem anda no mato
Vê muita coisa...

Depois de algum tempo, o caboclo avançou para ele, empurrou-o brutalmente para uma banda e disse:

- Sai daqui, que você não sabe tocar. Dá cá isso...

Começou a tocar o fole depressa, dizendo:

- Quem anda no mato,
Que vê muita coisa,
Também cala a boca,
Também cala a boca.

O caçador aí foi-se escafedendo devagarzinho, e abriu o chambre. Nunca mais atirou em porcos-do-mato, nem deu com a língua nos dentes a respeito do que vira.

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