O rei, depois de muito tempo, finalmente lembrou-se de Talia
e quis novamente passar por aquelas bandas. Tinha imensa curiosidade em saber
se a princesa encantadora ainda estava dormindo. Dizendo que ia à caça, ele
viajou para o local, e foi muito feliz ao encontrá-la acordada e com duas
encantadoras crianças pequenas. Disse a Talia quem era e o que tinha
acontecido, e como ela chegou a ser mãe. Enquanto eles conversavam, os dois
perceberam que estavam formando um forte laço de amizade e amor, e depois de alguns
dias, quando chegou a hora para o jovem rei sair, ele prometeu voltar para ela
em breve, e trazê-la a seu reino. Quando ele viajava de volta, descobriu como
era realmente desesperado de paixão por Talia e seus dois filhos e, já em seu
reino, mal conseguia dormir pensando neles e, quando finalmente adormecia,
chamava insistentemente seus nomes em sonhos.
Agora, o jovem rei já tinha uma esposa, que achava suspeito
quando ele não voltava por vários dias de caça. E passar as noites ao seu lado
na cama e ouvi-lo chamar nomes estranhos em seu sono a tomava de raiva e
ciúmes. Ela chamou o secretário do rei, e disse: "Estás entre a cruz e a
espada. Vais trair seu rei, e me dizer quem é sua amante, se fizeres isso te darei riquezas além de
seus sonhos. Mas se você não me disser, sua vida não valera nada, pois terei de
mata-lo." O secretário estava cheio de medo e pensava que deveria ser leal
ao seu rei, mas com as insistentes ameaças da rainha acabou por valorizar sua
própria vida acima da honra. Contou-lhe então o que o rei lhe havia dito em
confiança. A rainha, uma vez ouvido o relato, enviou, pelo secretário a Talia,
uma mensagem do suposto rei, dizendo: "Mande as crianças para mim agora,
porque eu sinto falta delas e quero vê-las." Talia, muito feliz, pensou em
como seu querido amava os filhos e obedeceu com alegria a convocação.
A rainha, odiando as crianças ainda mais quando viu o quão
bonitas eram, arrastou-as para a cozinha e disse ao cozinheiro para matá-los, e
prepará-los como pratos saborosos para a ceia do rei. O cozinheiro ficou
horrorizado com a sugestão e, embora ele concordasse com ela, secretamente levou
as crianças para sua esposa, e disse-lhe para escondê-las. Então eles mataram
dois carneiros recém-nascidos, e os preparou de maneira deliciosa. Quando o rei
sentou à mesa do jantar, a rainha disse, com grande prazer, que os pratos
fossem servidos a seu amado marido, e enquanto ele comia com evidente prazer, a
alegria não teve limites, e ela manteve-se a pressioná-lo para comer mais,
dizendo: "Você está comendo o que é seu." Depois que ela disse isso
várias vezes, o rei começou a ficar irritado e finalmente disse com raiva:
"Eu sei muito bem que eu estou comendo o que é meu próprio, porque você
nada trouxe com você de sua casa! " Levantou-se foi embora, permanecendo
por vários dias em uma vila próxima, para superar a sua raiva.
Aproveitando a ausência do soberano daquelas terras, o secretário
mais uma vez viajou até Talia com uma falsa mensagem, a mando da furiosa
rainha. A mensagem dizia que seus braços ansiavam por ela e não podia mais
suportar serem separados. Talia obedeceu com prazer, pois também sentia um
grande desejo de estar com seu senhor, que era tão amável e gentil com ela, mas
não imaginava o horror quando ela foi trazida para a rainha, cujo próprio rosto
estava queimando de ódio. A rainha
disse-lhe: "Você é a puta que tem apreciado meu marido? Prepare-se para
ser recebida no inferno, porque você logo estará indo para lá." Talia
tentou argumentar com ela, dizendo como se tornou amante do rei enquanto ainda adormecida,
mas a rainha apenas riu, desdenhou e ficou ainda mais furiosa. Ordenou então,
no auge de sua cólera, que uma enorme fogueira fosse acesa no pátio do palácio,
e que Talia fosse lançada a ela.
Talia ajoelhou-se para ganhar tempo, antes que a rainha mandasse
joga- la no fogo, e como último pedido, implorou
que fosse autorizada a tirar suas roupas
antes que fosse lançada a fogueira. A rainha continuou sem piedade pela
pobre Talia, mas notou que o vestido dela era muito bonito, e incrustado de joias,
assim ela concordou que Talia podia despir-se, pensando em manter as roupas
para ela depois. Talia começou lentamente a se despir e a cada peça removida,
ela gritava, e lágrimas escorriam pelo seu lindo rosto ao pensar no horror que estava
prestes a sofrer, e com cada peça, seus gritos eram mais altos e comoventes.
O rei estava
retornando ao palácio após sua ausência, e ouviu os gritos. Seguindo o som, ele
se deparou com a rainha e o choro de Talia, que já estava quase nua. Ele exigiu
uma explicação da rainha que, aos gritos, histérica, disse que havia descoberto
sua traição, sua deslealdade. E acrescentou com ironia: “Mas não te preocupes
querido, minha vingança já começou, visto que em sua ultima ceia em nossa casa,
devorastes com tamanho prazer seus próprios bens, seus filhos tão queridos. E
essa desgraçada estava prestes a arder na fogueira como uma prostituta”
Quando o rei ouviu, pálido e suando frio, o que havia
acontecido, fora de si gritava: "Como eu poderia ter comido a minhas próprias
doces crianças? Por que não reconheci? Você mulher, peçonhenta do mal! Como
você poderia ter feito essa terrível coisa?" Dizendo isso, ordenou que a
própria rainha fosse lançada ao fogo que ela havia preparado para Talia, e seu
secretário com ela, por sua participação no enredo perverso. O último a ser
jogado era o cozinheiro, a quem o rei tinha acreditado ter matado seus filhos.
Quando o cozinheiro foi arrastado para fora, protestou gritando: "Não recompenses
a minha fidelidade com este castigo terrível, estão a salvo seus filhos. Eles não
estão mortos, eu os escondi com minha esposa. ”O rei, primeiro surpreso e
depois alegre e aliviado, respondeu:” Se o que diz é verdade, você será
recompensado como nenhum homem jamais fora". O cozinheiro então pediu que
sua esposa trouxesse Sol e Lua ao rei, que os cobriu de beijos e carícias que
nunca pareciam o suficiente para este pai aliviado e feliz.
Ao cozinheiro deu uma recompensa rica, e fez dele um
cavalheiro. E, claro, casou-se com Talia, que viveu uma vida longa e feliz com
seu marido e filhos, sempre sabendo muito bem que "A pessoa que é
favorecida pela sorte tem sorte mesmo enquanto dorme".
*Na versão A bela adormecida de Perrault o nome da princesa
era omitido e em 1888, quando Tchaikovsky compôs o balé de A Bela Adormecida,
ele nomeou a princesa como Aurora, inspirado pelo nome de sua mãe.