Sol, Lua e Tália - Parte Final





O rei, depois de muito tempo, finalmente lembrou-se de Talia e quis novamente passar por aquelas bandas. Tinha imensa curiosidade em saber se a princesa encantadora ainda estava dormindo. Dizendo que ia à caça, ele viajou para o local, e foi muito feliz ao encontrá-la acordada e com duas encantadoras crianças pequenas. Disse a Talia quem era e o que tinha acontecido, e como ela chegou a ser mãe. Enquanto eles conversavam, os dois perceberam que estavam formando um forte laço de amizade e amor, e depois de alguns dias, quando chegou a hora para o jovem rei sair, ele prometeu voltar para ela em breve, e trazê-la a seu reino. Quando ele viajava de volta, descobriu como era realmente desesperado de paixão por Talia e seus dois filhos e, já em seu reino, mal conseguia dormir pensando neles e, quando finalmente adormecia, chamava insistentemente seus nomes em sonhos.

Agora, o jovem rei já tinha uma esposa, que achava suspeito quando ele não voltava por vários dias de caça. E passar as noites ao seu lado na cama e ouvi-lo chamar nomes estranhos em seu sono a tomava de raiva e ciúmes. Ela chamou o secretário do rei, e disse: "Estás entre a cruz e a espada. Vais trair seu rei, e me dizer quem é sua amante,  se fizeres isso te darei riquezas além de seus sonhos. Mas se você não me disser, sua vida não valera nada, pois terei de mata-lo." O secretário estava cheio de medo e pensava que deveria ser leal ao seu rei, mas com as insistentes ameaças da rainha acabou por valorizar sua própria vida acima da honra. Contou-lhe então o que o rei lhe havia dito em confiança. A rainha, uma vez ouvido o relato, enviou, pelo secretário a Talia, uma mensagem do suposto rei, dizendo: "Mande as crianças para mim agora, porque eu sinto falta delas e quero vê-las." Talia, muito feliz, pensou em como seu querido amava os filhos e obedeceu com alegria a convocação.



A rainha, odiando as crianças ainda mais quando viu o quão bonitas eram, arrastou-as para a cozinha e disse ao cozinheiro para matá-los, e prepará-los como pratos saborosos para a ceia do rei. O cozinheiro ficou horrorizado com a sugestão e, embora ele concordasse com ela, secretamente levou as crianças para sua esposa, e disse-lhe para escondê-las. Então eles mataram dois carneiros recém-nascidos, e os preparou de maneira deliciosa. Quando o rei sentou à mesa do jantar, a rainha disse, com grande prazer, que os pratos fossem servidos a seu amado marido, e enquanto ele comia com evidente prazer, a alegria não teve limites, e ela manteve-se a pressioná-lo para comer mais, dizendo: "Você está comendo o que é seu." Depois que ela disse isso várias vezes, o rei começou a ficar irritado e finalmente disse com raiva: "Eu sei muito bem que eu estou comendo o que é meu próprio, porque você nada trouxe com você de sua casa! " Levantou-se foi embora, permanecendo por vários dias em uma vila próxima, para superar a sua raiva.

Aproveitando a ausência do soberano daquelas terras, o secretário mais uma vez viajou até Talia com uma falsa mensagem, a mando da furiosa rainha. A mensagem dizia que seus braços ansiavam por ela e não podia mais suportar serem separados. Talia obedeceu com prazer, pois também sentia um grande desejo de estar com seu senhor, que era tão amável e gentil com ela, mas não imaginava o horror quando ela foi trazida para a rainha, cujo próprio rosto estava queimando de ódio.  A rainha disse-lhe: "Você é a puta que tem apreciado meu marido? Prepare-se para ser recebida no inferno, porque você logo estará indo para lá." Talia tentou argumentar com ela, dizendo como se tornou amante do rei enquanto ainda adormecida, mas a rainha apenas riu, desdenhou e ficou ainda mais furiosa. Ordenou então, no auge de sua cólera, que uma enorme fogueira fosse acesa no pátio do palácio, e que Talia fosse lançada a ela.
Talia ajoelhou-se para ganhar tempo, antes que a rainha mandasse joga- la no fogo, e como último pedido,  implorou que fosse autorizada a tirar suas roupas  antes que fosse lançada a fogueira. A rainha continuou sem piedade pela pobre Talia, mas notou que o vestido dela era muito bonito, e incrustado de joias, assim ela concordou que Talia podia despir-se, pensando em manter as roupas para ela depois. Talia começou lentamente a se despir e a cada peça removida, ela gritava, e lágrimas escorriam pelo seu lindo rosto ao pensar no horror que estava prestes a sofrer, e com cada peça, seus gritos eram mais altos e comoventes.
 O rei estava retornando ao palácio após sua ausência, e ouviu os gritos. Seguindo o som, ele se deparou com a rainha e o choro de Talia, que já estava quase nua. Ele exigiu uma explicação da rainha que, aos gritos, histérica, disse que havia descoberto sua traição, sua deslealdade. E acrescentou com ironia: “Mas não te preocupes querido, minha vingança já começou, visto que em sua ultima ceia em nossa casa, devorastes com tamanho prazer seus próprios bens, seus filhos tão queridos. E essa desgraçada estava prestes a arder na fogueira como uma prostituta”

Quando o rei ouviu, pálido e suando frio, o que havia acontecido, fora de si gritava: "Como eu poderia ter comido a minhas próprias doces crianças? Por que não reconheci? Você mulher, peçonhenta do mal! Como você poderia ter feito essa terrível coisa?" Dizendo isso, ordenou que a própria rainha fosse lançada ao fogo que ela havia preparado para Talia, e seu secretário com ela, por sua participação no enredo perverso. O último a ser jogado era o cozinheiro, a quem o rei tinha acreditado ter matado seus filhos. Quando o cozinheiro foi arrastado para fora, protestou gritando: "Não recompenses a minha fidelidade com este castigo terrível, estão a salvo seus filhos. Eles não estão mortos, eu os escondi com minha esposa. ”O rei, primeiro surpreso e depois alegre e aliviado, respondeu:” Se o que diz é verdade, você será recompensado como nenhum homem jamais fora". O cozinheiro então pediu que sua esposa trouxesse Sol e Lua ao rei, que os cobriu de beijos e carícias que nunca pareciam o suficiente para este pai aliviado e feliz.
Ao cozinheiro deu uma recompensa rica, e fez dele um cavalheiro. E, claro, casou-se com Talia, que viveu uma vida longa e feliz com seu marido e filhos, sempre sabendo muito bem que "A pessoa que é favorecida pela sorte tem sorte mesmo enquanto dorme".



*Na versão A bela adormecida de Perrault o nome da princesa era omitido e em 1888, quando Tchaikovsky compôs o balé de A Bela Adormecida, ele nomeou a princesa como Aurora, inspirado pelo nome de sua mãe.

Sol, Lua e Tália - Parte I

Para o desespero da leitora Myska, lá vai só a primeira parte da estória. Estória essa que deu origem ao conto A Bela Adormecida. Mas fica prometido que a segunda vem logo, tá? =)
Espero que apreciem!

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Certa vez havia um grande Senhor que foi abençoado com o nascimento de uma filha de enorme beleza, a quem ele chamou de Tália. Em homenagem a filha querida, organizou uma enorme festa e mandou chamar os homens mais sábios do reino para prever o que o destino tinha reservado para sua tão amada criança. Os sábios consultaram juntos a sorte e lançaram seu horóscopo, mas, para o horror do pobre pai, a profecia dizia que Tália seria posta em perigo caso tocasse um fio de linho sequer. O Senhor, muito assustado, decretou que nenhum linho ou cânhamo, ou qualquer coisa do tipo, poderiam mais ser trazidas para aquela casa, pensou que fazendo assim ele poderia proteger a filha de seu destino.

Um dia, quando Tália já havia se tornado uma bela jovem, estava olhando pela janela quando viu uma velha girando a roca. Era tão curioso aquilo que a senhora fazia, nunca tinha visto aquilo. Ficou tão encantada que chamou a velhinha para deixá-la vê-lo. A menina implorou tanto para esticar o linho que a senhorinha com pena deixou. Mas assim que o fez, uma farpa de linho fincou sob sua unha e ali mesmo ela caiu. A mulher assustada, ao ver a menina caída, correu para fora da casa e nunca mais voltou. Quando o pai ouviu falar sobre o infeliz evento, ficou arrasado e chorou tanto que de pranto se esvaziou. Em tamanha tristeza não teve coragem de colocar sua filha abaixo da terra tão fria, ao invés disso, com as roupas mais belas e bem feitas vestiu Tália e a colocou em cima de um estrado coberto de brocado em um dos quartos e, em seguida abandou a propriedade para sempre.

Depois de um longo tempo, um rei de terras distantes decidiu caçar por aquelas bandas. Distraído, procurando o que caçar, deixou seu falcão fugir. O animal voou em volta de uma grande casa e entrou pela janela. Como demorava muito para voltar o jovem soberano então enviou um servo para bater à porta da casa, com a intenção de pedir o retorno da ave. Não houve resposta. Bateram na porta mais uma vez, chamaram alto e nada de ninguém atender.  Como o pássaro não saia de jeito nenhum, o rei disse aos seus servos que ele mesmo iria escalar o muro e subir pela janela, a fim de recuperar o pássaro. Então ele subiu e vagou por parte da casa, mas não encontrou nada além de móveis empoeirados. Foi assim de sala em sala, de quarto a quarto, até que chegou a uma grande sala, onde encontrou uma menina encantadora, que parecia estar dormindo. Ele chamou por ela inumeras vezes, mas a bela não acordava. Entrou então na sala e olhou para ela de perto. Era tão incrivelmente linda que ele não podia deixar de desejá-la, e em seu íntimo começou a crescer uma luxúria quente. Foi assim, cheio da loucura da paixão, que a tomou em seus braços e a levou para cama, onde fez amor com ela. Depois de apagar a fúria de seu desejo, deixou a moça na cama, saiu de lá e voltou para seu reino, onde não pensou mais sobre o ocorrido.

Tália, que realmente apenas dormia inconsciente, tinha engravidado, e nove meses depois deu luz a dois lindos gêmeos. Amavelmente as fadas fizeram seu parto, e colocaram os bebês para mamar no peito da mãe. Assim o tempo foi passando e um dia, sem que as fadas vissem, uma das crianças, não sendo capaz de encontrar o seio, começou a mamar em seu dedo. Ele chupou com tanta força que tirou a farpa de lindo fincada sob sua unha e Tália acordou, como se de um longo sono. Quando ela viu os bebês, não sabia o que tinha acontecido ou como havia chegado ali, mas abraçou-os com amor, amamentou até que eles ficaram satisfeitos e os momeou Sol e Lua. Gentilmente as fadas continuaram a assisti-los, fornecendo-lhes alimentos e bebidas, que apareciam como se entregues por agentes invisíveis.


Os Cabelos de Dalva

Retirada da série Lendas da Nossa Gente, que reúne histórias da Grande Florianópolis.
Esse causo aconteceu em Praia Comprida, onde passei toda a minha infância e parte da minha adolescência.
Como é bom saber histórias sobre o local onde cresci.
Espero que apreciem tanto quanto eu apreciei! X)

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Dalva era uma linda jovem, Moradora da Praia comprida, em São José. Impressionava os homens com sua beleza. E tinha uma coisa que dava inveja a muitas mulheres. Pro terror dela, até as bruxas  se remoiam de inveja do dote: os longos e belos cabelos negros. À luz da lua, refletiam tons de azul de tão negros que eram. Ela passava pela rua, e todo mundo olhava pra trás para ver mais um pouquinho. No caminho ficava aquele rastro de perfume dos cabelos, nos homens ficava a cara de tolo de quem não entende tanta belezura.

Mas numa madrugada de lua cheia, se ouviu um gritedo na casa da bela Dalva. Toda a família acordou. Até os vizinhos acordaram e correram, de lampião na mão, pra casa da jovem, para saber o que era. Do quarto onde Dalva costumava dormir vinham berros e gargalhadas de mais de uma pessoa. A porta não abria, pela janela não se entrava. Quando o berreiro acabou, a mãe de Dalva foi a primeira a conseguir entrar na peça onde dormia a filha. Quando entrou, Dalva já estava sozinha, sentada na cama, em estado de choque, nem conseguia chorar, e com os cabelos transformados em um emaranhado só. Tinha nós em tudo que é fio de cabelo da cabeça de Dalva. Entre os nós, muitos pedaços de unhas compridas e sujas - mais pedaços do que uma pessoas poderia cortar das próprias mãos. Não tinha dúvida: era trabalho de mais de uma bruxa.
Vizinhos tentaram de tudo, passaram óleo, cremes, mas os nós tinham um jeito impossível de desatar.

Pura bruxaria feita por causa da inveja.

Não teve jeito, Dalva teve que raspar a cabeça. Quando voltou a crescer nunca mais foi o mesmo - nem tão preto, nem tão liso. Dalva já não chamava tanto a atenção dos homens nem das mulheres. As bruxas estavam satisfeitas com a tristeza de Dalva e nunca mais atacaram a jovem.

(Baseado na história contada por Gelci José Coelho, morador da Enseada de Brito, em Palhoça.)