A Arte de Resolver Conflitos




Ainda sou fraca, mas estou aprendendo.
Ótima história que me fez refletir muito sobre algumas situações em minha vida.
Espero que apreciem e reflitam.


"Violência gera violência, os fracos julgam e condenam, porém os fortes perdoam e compreendem."
Augusto Cury

O trem atravessava sacolejando os subúrbios de Tóquio numa modorrenta tarde de primavera. Um dos vagões estava quase vazio: apenas algumas mulheres e idosos e um jovem lutador de Aikidô.
O jovem olhava, distraído, pela janela, a monotonia das casas sempre iguais e dos arbustos cobertos de poeira. Chegando a uma estação as portas se abriram e, de repente, a quietude foi rompida por um homem que entrou cambaleando, gritando com violência palavras sem nexo. Era um homem forte, com roupas de operário. Estava bêbado e imundo. Aos berros, empurrou uma mulher que carregava um bebê ao colo e ela caiu sobre uma poltrona vazia. Felizmente nada aconteceu ao bebê. O operário furioso agarrou a haste de metal no meio do vagão e tentou arrancá-la. Dava para ver que uma das suas mãos estava ferida e sangrava.

O trem seguiu em frente, com os passageiros paralisados de medo e o jovem se levantou. O lutador de Aikidô estava em excelente forma física. Treinava oito horas todos os dias, há quase três anos. Gostava de lutar e se considerava bom de briga. O problema é que suas habilidades marciais nunca haviam sido testadas em um combate de verdade. Os alunos são proibidos de lutar, pois sabem que Aikidô é a arte da reconciliação. Aquele cuja mente deseja brigar perdeu o elo com o Universo. Por isso o jovem sempre evitava envolver-se em brigas, mas no fundo do coração, porém, desejava uma oportunidade legítima em que pudesse salvar os inocentes, destruindo os culpados. Chegou o dia! Pensou consigo mesmo. Há pessoas correndo perigo e se eu não fizer alguma coisa é bem possível que elas acabem se ferindo. O jovem se levantou e o bêbado percebeu a chance de canalizar sua ira.

- Ah! Um valentão! Você está precisando de uma lição de boas maneiras!

O jovem lançou-lhe um olhar de desprezo. Pretendia acabar com a sua raça, mas precisava esperar que ele o agredisse primeiro, por isso o provocou de forma insolente. 

- Agora chega! Você vai levar uma lição. 

Gritou o bêbado se preparando para atacar. Mas, antes que ele pudesse se mexer, alguém deu um grito: 

- Hei!

O jovem e o bêbado olharam para um velhinho japonês que estava sentado em um dos bancos. Aquele minúsculo senhor vestia um quimono impecável e devia ter mais de setenta anos. Não deu a menor atenção ao jovem, mas sorriu com alegria para o operário, como se tivesse um importante segredo para lhe contar.

- Venha aqui. 

Disse o velhinho, num tom coloquial e amistoso. 

- Venha conversar comigo.
Insistiu, chamando-o com um aceno de mão. O homenzarrão obedeceu, mas perguntou com aspereza: 

- Por que diabos vou conversar com você?

O velhinho continuou sorrindo. 

- O que você andou bebendo? 

Perguntou, com olhar interessado.

- Saquê. 

Rosnou de volta o operário. 

- E não é da sua conta!

Com muita ternura, o velhinho começou a falar da sua vida, do afeto que sentia pela esposa, das noites que sentavam num velho banco de madeira, no jardim, um ao lado do outro.

- Ficamos olhando o pôr-do-sol e vendo como vai indo o nosso caquizeiro. 

Comentou o velho mestre.
Pouco a pouco o operário foi relaxando e disse: 

- É, é bom. Eu também gosto de caqui...

- São deliciosos. 
Concordou o velho, sorrindo. 

- E tenho certeza de que você também tem uma ótima esposa.

- Não. Minha esposa morreu.

Falou o operário e, suavemente, acompanhando o balanço do trem, começou a chorar.

- Eu não tenho esposa, não tenho casa, não tenho emprego. Eu só tenho vergonha de mim mesmo.

Lágrimas escorriam pelo seu rosto. E o jovem estava lá, com toda sua inocência juvenil, com toda a sua vontade de tornar o mundo melhor para se viver, sentindo-se, de repente, o pior dos homens. 
O trem chegou à estação e o jovem desceu. Voltou-se para dar uma última olhada. O operário escarrapachara-se no banco e deitara a cabeça no colo do velhinho, que afagava com ternura seus cabelos emaranhados e sebosos.

Enquanto o trem se afastava, ainda envergonhado, o jovem ficou meditando. 

- O que eu pretendia resolver pela força foi alcançado com algumas palavras meigas. 

E aprendeu, através de uma lição viva, a arte de resolver conflitos.

O Estratagema de Ísis

 (ou "Ísis a fodona" como gosto de pensar XP)






O tempo é imparcial, inexorável, devora sem escolha e sua fome é insaciável. Os deuses, inquietos, percebiam que nem mesmo o grande Deus egípcio do sol era imune a ele. Seu estado piorava com o passar do tempo: sua capacidade de julgamento estava, a cada dia, mais nublada. Seus membros iam ficando rígidos; pouco a pouco, seus ossos se convertiam em prata e seu corpo em ouro. Mas, mesmo com o tempo a lhe devorar aos poucos, ele ainda era muito poderoso e sábio, e quase tão sábia quanto ele era sua neta, Ísis, a Deusa da magia, da cura, do amor e do trono. O único conhecimento que faltava a Deusa, era justamente aquele que lhe daria os imensos poderes de uma Deusa de primeira grandeza: O verdadeiro nome do Deus Sol.

Todos os dias, com grande dificuldade, o Deus solar caminhava com sua comitiva ao longo da mesma estrada até seu barco solar, que o levava na jornada da terra dos vivos no Oriente até a terra dos mortos no Ocidente. Um dia, numa dessas idas ao barco solar, ele foi acometido por uma forte tosse e, antes de seguir caminho, cuspiu no chão para se livrar do pigarro indesejado. Escondida ali perto, atrás de um espesso arbusto, se encontrava Ísis que, vendo seu avô já ao longe, saiu do esconderijo e correu até onde ele havia cuspido. Com seus conhecimentos em magia, misturou a saliva com a terra entre seus dedos, e dessa lama amassada formou uma serpente. No dia seguinte, quando o Deus novamente saiu para percorrer o firmamento com sua barca, Ísis, escondida, soprou vida à serpente e a soltou em seu caminho. A víbora, mais do que rápido, mordeu o pé do velho Deus que sentiu uma dor aguda e gritou:

- Que é isso?! Que me aconteceu?

Uma fraqueza extraordinária desceu sobre ele; seus dentes batiam com violência, seus braços e pernas tremiam. O veneno se espalhava rapidamente e ele deixou-se cair ao chão, convulsionado pelos espasmos de dor que lhe sacudiam o corpo. Aterrorizado, o grande deus Sol conseguiu reunir um pouco de força e disse:

- Vinde para perto, todos vós que nascestes de mim.

Ao seu redor, vindos de todas as partes do universo, foram se reunindo os deuses chamados por sua vóz divina, e claro, lá também estava Ísis. Ao ouvir todos seus filhos e netos a lhe prantear, o Deus disse:

- O coração me queima e o corpo me treme. Sinto-me mais frio que a água e mais quente que o fogo. Meus olhos estão vidrados e eu não consigo ver o Céu. Embora nada tenha visto e minhas mãos nada tenham alcançado, sei, em meu coração, que fui ferido por coisa mortífera.

Foi a então que Ísis se destacou do círculo formado em torno do Deus moribundo e falou:

- Alguma das criaturas que criastes levantou a cabeça contra ti, pai? Certamente foi uma serpente, divino sol, que com seu poderoso veneno causou o mal que atormenta teu corpo. Tenho certeza que com o encantamento correto posso livrar-te deste mal. Mas terás de dizer a mim teu nome.

O velho Deus está a ponto de desmaiar e se retorce no chão. Embora não queira revelar o segredo, precisa dar uma resposta a Ísis. Desesperado, limita-se a enumerar os diversos nomes que todos conhecem.

- Sou Quéfri de manhã, Rá ao meio-dia e Aton ao entardecer. Muitos são meus nomes. Eu sou o Deus do não ser. Somente meu pai me chama pelo meu verdadeiro nome. Ele me deu esse nome para que niguém pudesse me enfeitiçar com magias e assim se apoderasse de minha eterna sabedoria.

Ísis, muito esperta, não se deixa enganar e insiste:

- Dize a verdade, e minha magia pode livrar-te para sempre dessa dor. Qual é esse verdadeito nome, então, aquele que seu pai te deu?

De maneira alguma ele dizia seu verdadeito nome. E cada vez mais seus gritos ecoavam entre os mundos. No entanto, nenhum Deus intervinha e Ísis insistiu uma vez mais:

- Diga-me pai, qual seu verdadeito nome, e eu te ajudarei com minhas palavras mágicas. Meu encantamento só será eficaz se me revelares teu verdadeiro nome. Com um feitico lançado com teu nome secreto, poderei para sempre retirar o veneno do teu corpo.

O Deus ainda hesitou e resistiu o quanto pode, mas desde que não parecia haver descréscimo  na fúria da dor, cedeu:

- Vem cá! Vou derramar em teu coração o poder que está no meu.

Ísis aproxima-se dele, que a contragosto, sussurra em seu ouvido:

- Meu nome secreto é Rá. Este é o nome dado a mim por meu pai.

Fortalecida pelo segredo, Ísis pronuncia as únicas palavras mágicas capazes de quebrar o encantamento. Imediatamente, Rá recupera a saúde. O grande Deus Rá fica muito aborrecido por ter sido obrigado a entregar a essência de seu poder, mas Ísis está feliz: acaba de transformar-se numa das maiores divindades, senão, a mais poderosa de todas.

The Lady of Shalott





Lua cheia no céu, chá de hortelã e cidreira fumegante na xícara velha, cigarro no cinzeiro e viajando nas lembranças do mar e de contos conhecidos, me deparei com o poema sobre a Senhora de Shalott. A curiosidade pelo conto me foi apresentada por minha mãe, quando trouxe para casa o primeiro Cd de Loreena Mckennitt que eu iria ouvir.

Bem, deixo vocês com o poema e, para aqueles que preferem ler em forma de conto, deixo aqui o endereço onde a estória é hospedada.
Espero que apreciem. Boa leitura!

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A Senhora de Shalott.

E ao luar, o ceifador cansado,
Empilhando feixes em terras altas arejadas,
Presta atenção e sussurra
"Esta é a fada Senhora de Shalott".

Salgueiros embranquecem, álamos estremecem,
Pequenas brisas escurecem e arrepiam
Através das ondas que correm para sempre
Próximas à ilha no rio
Desaguando em Camelot.

Quatro muros cinzentos, e quatro torres cinzentas,
Dão vista para um espaço de flores,
E a ilha silenciosa abriga
A Senhora de Shalott.

Seu cenho amplo e largo ao sol brilhava;
Sobre cascos lustrosos seu cavalo de guerra avançava;
Por baixo de seu capacete escapavam
Seus cachos pretos como carvão enquanto cavalgava,
Enquanto cavalgava na direção de Camelot.

À distância de uma flechada dos aposentos dela,
Ele cavalgava por entre os feixes de cevada,
O sol aparecia ofuscante por entre as folhas,
E ardia por sobre as armaduras de bronze
Do ousado Sir Lancelot.

Tudo naquele clima azul e sem nuvens
O couro da sela brilhava como se fosse incrustado,
O capacete e a pena do capacete
Ardendo como uma única chama que queima junta,
Enquanto ele cavalgava na direção de Camelot.

Ela deixou a teia, deixou o tear,
Deu três passos através do quarto,
Viu o lírio d'água florescer,
Viu o capacete e a pena,
Olhou ao longe para Camelot.

Lá ela tece noite e dia
Uma teia mágica com cores alegres.
Ela ouviu um sussurro dizer,
Uma maldição recairá sobre ela se continuar
A olhar ao longe para Camelot.

Ela não sabe que maldição pode ser,
E assim ela tece continuamente,
E poucas outras preocupações ela tem,
A Senhora de Shalott.

Como sempre acontece na noite púrpura,
Sob os aglomerados de estrelas brilhantes,
Algum meteoro barbado, com um rastro de luz,
Movimenta-se acima da pacata Shalott.

Mas ela ainda regozija em sua teia
Tecendo as visões mágicas do espelho,
Porque com freqüência em noites silenciosas
Um enterro, com plumas e luzes,
E música, ia até Camelot:

E às vezes pelo espelho azul
Os cavaleiros vêm cavalgando dois a dois:
Ela não tem nenhum cavaleiro real e verdadeiro,
A Senhora de Shalott.

Ali o rio faz um redemoinho,
E ali os aldeões mal-humorados,
E as capas vermelhas das moças da feira,
Passam vindos de Shalott.

E movendo-se por um espelho claro
Que pende diante dela todo o ano,
Sombras do mundo aparecem.
Ali ela vê a estrada mais próxima
Serpenteando até Camelot:

Ou quando a Lua ia alta no céu,
Vinham dois jovens amantes recém-casados;
"Estou meio cansada de sombras", disse
A Senhora de Shalott.

Um cavaleiro de cruz-vermelha eternamente ajoelhado
Para uma senhora em seu escudo,
Que brilhava no campo amarelo,
Além da remota Shalott.

A teia voou para fora e saiu flutuando;
O espelho rachou-se de lado a lado;
"A maldição recaiu sobre mim!", exclamou
A Senhora de Shalott.

E pela extensão obscura do rio...
Como um vidente ousado em transe,
Ao enxergar todo o seu desfortúnio...
Com semblante vidrado
Foi que ela olhou para Camelot.

Ela desceu e encontrou um bote
Flutuando largado sob um salgueiro,
E por toda a extensão da proa ela escreveu
A Senhora de Shalott.

E ao encerrar-se o dia
Ela soltou a corrente e deitou-se;
O largo rio carregou-a para longe.
A Senhora de Shalott.

Lá deitada, vestida de branco neve
Esvoaçando solta para lá e para cá...
As folhas sobre ela caindo com leveza...
Através dos ruídos da noite,
Ela foi flutuando até Camelot:

Ouvindo um hino, pesaroso, sagrado,
Cantando alto, cantando baixo,
Até que seu sangue foi se congelando lentamente,
E seus olhos se escureceram por completo,
Voltados para Camelot que se avultava.

Porque antes de alcançar com a maré
A primeira casa à margem do rio,
Cantando sua canção ela morreu,
A Senhora de Shalott.

Lutando em meio ao tempestuoso vento leste,
O bosque amaralo-pálido ia minguando,
O largo rio em suas margens reclamava.
As nuvens baixas no céu choviam pesado
Sobre Camelot que se avultava.

Sob torres e sacadas,
Passando pelos muros dos jardins e pelas galerias,
Como um vulto cintilante ela foi flutuando,
Com palidez mortal entre as casas altas,
Silenciosa, penetrando em Camelot.

E enquanto a proa do bote ia avançando
Entre as colinas de salgueiros e os campos,
Ouviram-na cantar sua última canção
A Senhora de Shalott.

Para o cais todos foram,
Cavaleiro e burguês, lorde e dama,
E por toda a extensão da proa eles leram seu nome,
A Senhora de Shalott.

Quem é esta? e o que está aqui?
E o palácio iluminado próximo
Morreu o som da alegria real;
E fizeram o sinal-da-cruz por medo,
Todos os Cavaleiros de Camelot:

Mas Lancelot refletiu por um instante,
Ele disse: "Ela tem um rosto adorável;
Deus em sua misericórdia cedeu-lhe graça,
A Senhora de Shalott."

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Longo porém belo como só um poema poderia ser.

Athena e Aracne - Parte final






Tal presunção era mais do que a paciência da deusa pudesse suportar. No mesmo instante, gritou, furiosa:

— Comecemos agora mesmo este concurso! Vou provar tua inferioridade perante a minha sabedoria e poder. Que os Deuses se façam presentes para testemunhar a sua derrota. Mulher miseravel, tu nunca mais bordarás novamente.

As duas mostravam-se extremamente arrogantes e confiantes. Não se podia saber qual seria a vencedora daquele empolgante confronto. Com as ferramentas prontas e a lã separada igualmente, ao sinal da Deusa, as duas começaram a trabalhar. Os dedos ágeis desfiavam a lã e a colocavam rapidamente sob os pentes do tear que tinham à frente. Os fios deslizavam entre os dedos, esticados ao máximo, parecendo as cordas afinadas de um piano. Nem bem saíam da máquina e dedos os capturavam, comprimindo-os sob as agulhas douradas. As mãos tocavam a laçadeira com movimentos rápidos e graciosos. Como se estivessem dançando ao som de melodias celestiais, seus dedos corriam ágeis entre as bobinas coloridas, colocando fio por fio na posição exata. Durante três dias, as concorrentes não pararam nem para comer ou dormir, sob os olhos atentos dos deuses. Ao final do quarto dia, Athena e Aracne terminaram o trabalho diante de Ninfas, deuses e alguns mortais, que estavam ali para o julgamento.

O bordado da deusa Athena era perfeito. Trabalhado com uma perícia sem igual, via-se a Acrópole de Athenas. Lá estavam reunidos todos os deuses do Olimpo, votando para quem deveriam entregar a proteção da cidade de Cécrops: a Athena ou a Posseidon. Nos quatro cantos do grande retrato principal, ela teceu quatro pequenos quadros que retratavam casos de pura arrogância humana e sua punição pelos deuses. Em um, via-se o rei trácio Hémos com sua mulher Ródope, que chamavam-se de Zeus e Hera e foram transformados em montanhas; em outro canto, via-se a infeliz mãe dos pigmeus que, vencida por Hera, foi transformada em garça e obrigada a lutar com seus próprios filhos; no terceiro quadrado estava Antígone, a belíssima filha de Laómedon, que se orgulhava tanto de sua beleza e de seus cabelos que se comparava a Hera e, por isso, teve seus cabelos transformados em serpentes que mordiam durante todo o dia até que Zeus, apiedado, a transformou em cegonha; por fim, retratou Cíniras lamentando o destino de suas filhas, que haviam excitado o ódio de Hera com seu orgulho... A deusa as transformou em degraus de seu próprio templo. Todos esses retratos foram rodeados com uma coroa de folhas de oliveira.

Athena, sem olhar o trabalho de Aracne, já se sentindo vitoriosa, desafiou, mostrando o seu:

— O que haveria de mais criativo e belo para se bordar?

Todos bateram palmas e reconheceram quão maravilhosa ficara a sua arte. Foi então que Aracne mostrou sua obra. Todos fizeram silêncio por alguns minutos. Boquiabertos, eles pareciam enfeitiçados com tamanho esplendor.

— É magnífico! Esplêndido!

Em seu tear, Aracne havia tecido uma cena representando os deuses dominados por sua fraqueza e baixos instintos. Cada detalhe na tapeçaria era um insulto aos deuses do Olimpo. Especialmente, bordara o poderoso Zeus e todos os seus amores proibidos. Aracne ousou ilustrar Zeus sob a forma de touro, arrebatando Europa; sob a forma de águia, abordando Astéria; sob a forma de cisne, conquistando Leda; sob a forma de sátiro, fazendo amor com Antíope. Zeus fazendo-se passar por Anfitríon para seduzir Alcmene, mãe de Heraclés; disfarçando-se de pastor para fazer amor com Mnemosine, mulher-titã; e, ainda, Zeus conquistando Egina, Deméter e Danae, disfarçado de chama, serpente e chuva de ouro, respectivamente. Todos os gráficos foram rodeados por uma coroa de louros com pequenas flores harmoniosas. A jovem estava emocionada com o resultado. Nem ela imaginava que fosse capaz de tal perfeição.

— Tende coragem de aplaudir esta mulher? Ela está ofendendo o poderoso Zeus! Olhai para isto e julgai!

E, como ninguém lhe dava ouvidos, inclusive Hera, que deveria aborrecer-se por tamanha ousadia, Athena puxou sua espada e disse zangada:

— Que pena! Mas que esta seja uma lição para que todos aprendam que a arte nasce do Amor e não da Provocação!

Agarrou a tapeçaria de Aracne e a fez em mil pedaços. A jovem artista gritou, blasfemou, chorou, vendo o trabalho de sua vida destruído pela cólera da Deusa. Não conseguindo suportar tamanha humilhação, correu para fora em desespero à procura da morte. À medida em que Athena rasgava e picotava trabalho tão magnifico, sua raiva ia diminuindo. Por fim, voltando a si, envergonhada, viu o que sua cólera havia provocado. Voltou-se para procurar Aracne e a encontrou pronta para saltar nos braços da morte. Com pena de moça, no momento em que a jovem iria se enforcar, Athena sustentou-a no ar, impedindo que se estrangulasse e, em seguida, derramou sobre Aracne fluídos retirados das ervas da deusa Hécate. A corda transformou-se num fio translúcido e a mortal sentiu que a cabeça e o corpo lhe diminuíam de volume; minúsculas patas lhe substituíram os braços e as pernas, e o resto do corpo se transformou num enorme ventre.

— Viverás, Aracne, mas ainda assim serás punida pela ousadia em querer ridicularizar meu pai. Ficarás para sempre pendurada desta maneira; este será o teu castigo e de toda a tua posteridade.

Já ia dando as costas para se retirar, quando percebeu um ruído vindo da árvore. Voltou-se e viu que a criatura negra movimentava suas pernas com extraordinária agilidade, costurando um manto com uma seda extremamente fina, que retirava de seu dorso abaulado. Aos poucos, Athena viu surgir diante de seus olhos um magnífico bordado circular, que excedia a tudo que ela antes já fizera, como se Aracne, mesmo sob aquela odiosa forma, tivesse se tornado ainda mais talentosa, com seus diversos braços. A Deusa percebeu que, apesar da arrogância e soberba tê-la corrompido, o amor da jovem pela sua arte era puro e verdadeiro. Mesmo naquela forma diminuta e decadente, ela continuava dedicando sua vida a tecer. Do Olimpo, Athena zelaria por ela, pois o tear de Aracne ainda contianuaria encantando as Ninfas, os deuses e os homens por muito tempo.