A morte de Balder - Parte Final

Uma multidão alegre reuniu-se nos jardins repletos de pendões e flâmulas, em frente a Breidablik, o palácio de Balder. Sua esposa, Nanna, estava junto para divertir-se com o triunfo do marido, embora trouxesse na alma um vago receio, a despeito de tudo quanto lhe afirmara Balder, no sentido de que não haveria risco algum na brincadeira. Todos os deuses e guerreiros amigos haviam-se postado de um lado dos jardins, enquanto do outro, dentro de um pequeno círculo traçado na grama, estava Balder, com as mãos na cintura e um sorriso franco no rosto.

- Muito bem, amigos, podem começar a brincadeira! -  disse o deus, confiante.

Todos quiseram conceder a Odin o primeiro arremesso, mas este se recusou por medo que algo errado pudesse acontecer. Então Tyr, irmão de Balder e considerado o mais valente dos deuses, adiantou-se, empunhando a certeira lança com sua única mão (ele perdera a outra num episódio famoso, que o tornara merecedor do título). Mas, antesque pudesse arremessá-la, foi impedido pela advertência de Frigga, mãe de Balder:

- Não, espere! Lance antes algo mais inofensivo!

Tyr, atendendo o pedido, pegou uma simples pedra e a arremessou ao peilo deBalder. A pedra bateu e ricocheteou para o alto sem fazer-lhe o menor mal.

- Ótimo! Magnífico! - bradaram as vozes, sob um coro de aplausos.

Outros guerreiros adiantaram-se, confiantes também de não provocar desgraça alguma. Então, começou a cair uma verdadeira chuva de projéteis sobre o deus - lanças, espadas, machados, flechas e chuços de todos os tamanhos - que Balder recebia sem sofrer o mínimo arranhão. A algazarra era tremenda, quando Thor, o poderoso deus do trovão, adiantou-se e disse com um grito alegremente atrevido:

- Deixem comigo, agora!... Se Balder resistir a Miollnir, então, nada mais poderá derrubá-lo! - Ele se referia ao seu poderoso martelo, confeccionado por anões artífices. Um clarão abriu-se entre a fileira dos arremessadores e todas as respirações ficaram suspensas. Até mesmo o rude Odin não deixou de dirigir a Thor um olhar dúbio, onde errava um misto de apreensão e censura. Mas Thor confiava no que Frigga dissera e, por isto, seguiu adiante no seu intento.

- Prepare-se, Balder! Esta nem você agüenta!

Balder deu um largo sorriso e disse com a voz firme:

- Pode mandar!

Desta vez, entretanto, poucos tiveram o sangue-frio de achar graça na situação. Thor empunhou seu martelo e, após dar algumas voltas com ele no ar, arremessou-o na direção do irmão. Miollnir partiu assoviando e foi acertar direto na cabeça de Balder. Um "Oh!" de espanto varreu a platéia, quando todos viram o martelo ricochetear e voltar às mãos do deus do trovão sem causar dano algum a Balder.

Um coro alegre de risos continuou a encher o ar, abafando o canto dos pássaros, de modo que não havia naquele local quem não estivesse feliz. Mas, em vez de cumprimentar Loki pela feliz idéia do torneio, preferiam todos dirigir seus elogios a Balder, exaltando unicamente a sua coragem e o seu bom humor. "Coragem?”, indagava-se Loki, esquecido a um canto. "Como pode haver coragem verdadeira onde não há perigo real? Então, farto daquilo que chamou de bajulação vil, foi procurar algum incauto que pudesse lhe servir de braço para o golpe que pretendia vibrar ao fanfarrão de araque. 

Depois de percorrer com o olhar a multidão, Loki enxergou bem mais afastada a figura de Hoder, o irmão cego de Balder. Ele estava sentado embaixo de uma árvore, mordiscando um talo de erva. Apesar de afastado do bulício, ele também trazia no rosto um sorriso divertido, pois pela audição podia avaliar a grande alegria que reinava nos jardins de Breidablik.

- O que está fazendo aí sozinho? - disse-lhe Loki, aproximando-se sorrateiramente. - Por que não se junta aos outros?

- Bem, é o meu jeito de me divertir - disse o cego, com um meio-sorriso. -  Afinal, perto ou longe, a visão que tenho de tudo é sempre a mesma. Loki, que detestava sentir pena de alguém, procurou logo mudar o tom da conversa: - E o que acha do desafio? Não vai tentar alvejar Balder, também?

- Ora, eu!... - exclamou Hoder, irritando-se com a pergunta idiota. - O cego, afinal,sou eu ou você, que não vê a impossibilidade?

Loki deu um sorriso bem ao seu estilo: perverso. Depois, tomou de sua aljava, em meio a várias setas, uma feita do ramo do azevinho. (Depois de havê-lo limpado das bagas e das folhas, Loki havia conseguido torná-la uma verdadeira flecha, afiando-lhe cuidadosamente a ponta.) -  Aqui está uma seta, a mais certeira de todas, que você poderá perfeitamente atirar - disse Loki, persuasivamente. - Vamos, eu o ajudarei a fazer a pontaria. Hoder ergueu-se, dispondo-se aos poucos a se juntar aos demais e se alegrar um pouco também. Avançaram quase até o local, quando Loki deteve o Deus cego.

- Vamos ficar por aqui, um pouco afastados, para que você não corra risco de ser alvejado ou de alvejar alguém inadvertidamente.

Estando ambos meio que ocultos atrás de uma árvore, Loki armou o arco e ajustou-lhe a seta fatal.

- Pronto - disse ele, entregando a arma a Hoder e virando-o no sentido onde estava Balder. - Agora retese bem a corda!

Hoder fez o que Loki lhe dissera e ficou aguardando a ordem de disparo.

- Agora!... - disse Loki, quando viu que a seta tinha endereço certo no coração de Balder. A seta partiu sibilando e numa fração de segundos enterrou-se até a extremidade no peito de Balder. De repente a multidão percebeu que havia algo errado com o desafiante, pois embora os projéteis ainda estivessem a ser lançados, nenhum havia lhe provocado aquela reação que agora se desenhava em seu rosto. Os olhos arregalados e a mão pousada sobre o peito eram sinais suficientes de que algo terrível acontecera.

- Balder querido, o que houve? - exclamou Frigga, sua mãe, que num instante compreendera tudo.

Balder caiu de joelhos e antes que sua esposa Nanna pudesse aparar a sua queda, caiu de rosto na grama. Um jato negro de sangue escapou de sua boca, quando ela ergueu sua cabeça do solo. - Balder, não!... - exclamou ela, aterrada.

- Balder está morto! - gritou alguém no meio da multidão, e logo um coro de gritos aterrorizados tomou o lugar dos risos de alguns instantes atrás. Hoder, mesmo à distância, percebeu que algo de muito terrível acontecera - e que ele fora o responsável direto! Loki, entretanto, já não estava mais ao seu lado, tendo se retirado assim que vira, satisfeito, Balder tombar de rosto no chão.

- Balder assassinado! - bradavam agora as vozes.

Imediatamente a seta foi arrancada do peito do deus e Frigga, ao reconhecer o ramo de visco, sentiu um calafrio de horror e ódio penetrar-lhe com a mesma dor que seu filho haveria de ter sentido quando a seta lhe perfurara o coração.

- Foi uma armadilha, uma maldita armadilha! - bradou ela, arrancando os cabelos. - Não demorou muito para que se juntassem os fatos e se chegasse à conclusão de que o perverso Loki fora o autor do estratagema maligno. Hoder, o autor involuntário do homicídio, perdera os sentidos ao saber que fora o causador da morte do irmão. Quanto a Nanna, esposa do deus morto, sentira tanto a perda que acabara por desfalecer sem vida instantes depois da tragédia.

Não havia nada mais a fazer, sentenciou Odin, tão logo recuperara a razão, se não enterrar o filho e o mais amado dos deuses. Após os atos religiosos, Balder foi colocado em seu grande navio junto de sua esposa e, ali mesmo, foi acesa a sua pira funerária. Vários presentes foram depositados ao redor do morto e Odin colocou no braço de Balder o seu famoso bracelete de ouro Draupnir.

Entretanto, o barco ficara tão pesado que foi preciso pedir a ajuda da giganta Hyrrokin para empurrar o navio até o mar. Ela chegou montada em um grande lobo e, depois de conseguir acalmar a feroz montaria, empurrou o navio para dentro das águas com tanta força que as rodas que o conduziam arderam e um grande tremor de terra sacudiu os nove mundos. Thor, que vira nisto uma provocação ao seu poder de deus dos trovões e tremores de terra, irritou-se a tal ponto que quis partir em duas a giganta, sendo dissuadido pelos demais deuses. Mas da sua ira não escapou um infeliz anão chamado Lit, que inadvertidamente atravessara-se no caminho do Deus. - Saia da frente, anão maldito! - disse ele, dando um pontapé no desgraçado, que foi parar dentro do navio, que já ardia em pleno oceano.

E, este foi o fim de Balder, o mais adorado dos deuses. Loki, entretanto, bem como o infeliz Hoder, receberiam, em breve, a sua negra recompensa. Antes, porém, seria feita uma última tentativa para resgatar da terra dos mortos o filho dileto dos deuses, tarefa que esteve a cargo de Hermod, irmão também de Balder e uma espécie de Mercúrio nórdico - mas esta é uma outra história.



Um comentário:

  1. Nossa!!! Adorei essa! E a imagem aqui linda demais também! Adoro suas histórias!!! Conte logo as outras que citou ali!!! Estou curiosa!
    Beijão!

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