Hashis de marfim



Na antiga China, um jovem príncipe resolveu mandar fazer, de um pedaço de marfim muito valioso, um par de hashis*. Quando isto chegou aos ouvidos de seu pai, que era um homem muito sensato e responsável, este foi ter com seu filho e explicou-lhe:

— Não deves fazer isso, porque esse luxuoso par de hashis pode levar-te à perdição!

O jovem ficou confuso. Não sabia se o pai falava a sério ou se estava a brincar. Mas o rei continuou:

— Quando estiveres à mesa com teus hashis de marfim, verás que não combinam com a louça de barro que usamos à mesa. Vais precisar de copos e tigelas de jade. Ora, as tigelas de jade e os paus de marfim não admitem iguarias grosseiras. Precisarás de cauda de elefante e fígado de leopardo. E quem tiver comido cauda de elefante e fígado de leopardo não vai contentar-se com vestes de cânhamo e uma casa simples e austera. Irás precisar de muita seda e palácios sumptuosos. Ora, para teres tudo isto, vais arruinar as finanças do reino e os teus desejos nunca terão fim. Depressa cairás numa vida de luxo e de despesas sem limite. A desgraça irá atingir os nossos camponeses, e o reino afundar-se-á na ruína e desolação.

Os teus hashis de marfim fazem lembrar a estreita fissura no muro de uma fortaleza, que acaba por destruir toda a construção.
O jovem príncipe esqueceu o seu capricho e mais tarde veio a ser um monarca reputado pela sua grande sensatez.

(Conto do filósofo chinês Han Fei, oito séculos antes da nossa era.)

***********
Gosto dessa história porque me lembra de uma cena engraçada com minha mãe...
  
No Jardim de Infância uma menina roubou meu casaco e não quis devolver. Para me vingar roubei sua caneta com cheirinho de morango, e só iria devolver se ela me devolvesse o casaco (que tinha meu nome marcado nele ¬¬). Ao chegar em casa minha mãe me viu fazendo os deveres e perguntou:
 - Filha, de onde tu tirou essa caneta da moranguinho?
 Depois de muita enrolação, contei a verdade pra ela. Imaginem uma baixinha ficando vermelha e gesticulando com fervor, falando alto e dizendo: 
 - Criatura, isso é errado... hoje é uma caneta, daqui a pouco vai ser um carro e depois uma casa inteira...
 E assim continuou por váááários minutos...
 
Moral da história, fiquei com tanto medo de me tornar uma ladra de casas inteiras que nunca mais peguei nada de ninguém... rsrsrsrs.
Não foi tão chique quanto o rei, o principe e seus hashis... mas eu entendi o recado. XD
Valeu mãe! ^_^

************
*Hashi: palitinhos usados como talheres pelos orientais para pegar alimentos


Pedra, árvore e gente

Muitos dos contos e fábulas que conhecemos hoje, tem uma origem mais assustadora e maligna do que a maioria das pessoas imagina. Essas estórias tinham, em sua maioria, o intuito de assustar as crianças para que elas não fizessem determinadas coisas. Outras eram apenas relatos fantasiados de verdades mais cruas. Séculos depois, estas estórias foram reescritas de forma a tornarem-se mais inocentes e apresentáveis.

Essa prática perdura em muitas das estórias posteriores e o resultado é que estes contos - e aqui eu incluo os folclóricos mais recentes - perderam o interesse para a maioria das pessoas. Passaram a ser vistos como algo sem graça, herança desbotada dos mais velhos ou algo bobo para crianças. Assim, são poucas as pessoas que irão apreciar estas coisas pelo seu valor per se. E é por isso que eu tive essa pequena idéia de transformar algo que, eu confesso, também achava bobo, em algo mais atraente, revelando somente o potencial escondido em uma velha tradição.

Esse conto é dedicado ao meu amor, dona desse blog. Espero que gostem.



Pedra, árvore e gente
(G.F. Matos)

   Um pescador chega em casa depois de passar a madrugada em alto-mar, provendo seu sustento.
Uma fina linha de fumaça pode ser vista saindo da chaminé. O homem encontra a casa aquecida e o café fresco, ainda quente. Sua filha dorme enrodilhada em uma manta velha, aos pés do fogão. Ele recolhe a menina em seus braços e a põe na cama. Sempre que ele chega do mar, ela está a esperá-lo, ainda que, muitas vezes, adormecida. Ele senta junto à mesa e saboreia o café, enquanto se distrai com a respiração leve da menina. Os tempos são difíceis, o trabalho é escasso. Os resultados da pesca mal conseguem suprir a subsistência. Os habitantes da cidade parecem não se importar com isso, e sim com a vida alheia, com estórias rasas e fantasias inúteis.

    No dia seguinte, o homem se dá conta que adormecera na cadeira enquanto pensava na vida e em suas opções. O sol já ia alto e sua filha já havia iniciado as tarefas domésticas. Ele se levantou e a abraçou, ternamente. Desde que sua esposa morrera, a garota era sua única preocupação no mundo. Ele sentia-se muito mal pela sua condição financeira e por não poder dar as coisas que sua filha merecia - afinal, ela era sempre prestativa e o apoiava em tudo. Por isso, havia alguns meses, o pescador guardava cada centavo que lhe sobrava. E naquela semana, ele teria dinheiro suficiente para comprar um presente para sua filha. Com sorte, antes de ter que partir para a alto-mar novamente.

    Foi numa sexta de muito vento que ele voltou para casa arregando um pacote azul com um grande laço de fita vermelha em cima. A menina ficou parada por alguns segundos, olhos arregalados, sem reação. Então correu e abraçou o homem, atentando-se ao pacote só depois que ele lhe afastou carinhosamente. Desfêz o papel gentilmente, dobrando-o para que pudesse usar novamente, secretamente pensando em como retribuir. E lá estavam eles, brilhantes e azuis - um par de sapatinhos de vinil. Sem coragem para calçá-los, ela passou a noite olhando para eles, como se possuíssem um quê de magia. Só desviou sua atenção quando lembrou-se de algo que queria contar a seu pai - uma estória que ouvira da vizinha. Mas o pescador estava cansado e não queria ouvir estória alguma. Já bastava as pessoas medíocres da vila e as vidas alheias que elas gostavam de acompanhar, mais do que a delas próprias. Ademais, ele partiria novamente para alto-mar no dia seguinte.

    Dois dias depois, o homem retorna e encontra a casa quieta e fria. Nenhum sinal de sua filha.
Assustado ele bate nas casas vizinhas em busca de alguma informação, mas tudo que lhe dizem parece loucura, fruto de imaginações férteis, alimentadas por anos de baboseira. O pescador se recusa a acreditar em uma palavra sequer e retorna à casa, com receio que sua paciência se esgote e ele acabe perdendo o controle. Indignado, ele espera por umas poucas horas e depois, não mais suportando a demora, calça suas botas e parte. Rezando para que esteja tudo bem, mas temendo pelo pior, ele vasculha a praia e seus arredores à procura da menina. À luz do lampião, ele procura com cuidado entre as rochas do costão, sem sucesso. As horas avançam e a lua já se faz alta no céu, quando o homem desaba a chorar, já desesperado.

    Sua única alternativa são as histórias sem sentido que seus vizinhos balbuciaram. Talvez elas
tivessem algum fundo de verdade, que fizesse algum sentido. Ele não podia acreditar que havia algo maligno escondido naquele morro. Essas coisas não existiam na vida real, mas talvez a loucura daquele povo tivesse transformado um perigo real em um perigo imaginário - o que só fazia a raiva dele crescer. Talvez, se eles não tivessem distorcido a verdade, sua filha tivesse levado a sério e tomado mais cuidado. Tomado de raiva, o homem pegou um facão e reabasteceu o lampião com querosene. Ele subiria o morro atrás de sua filha e do que quer que houvesse lá em cima. Se nada encontrasse, no entanto, algumas pessoas iam ter que se explicar de uma maneira ou de outra.

    A lua vai alta e as horas mortas já se aproximam, quando ele chega a uma clareira no alto do monte. Uma sensação estranha se apossa do pescador, os pêlos da nuca se eriçam, o estômago embrulha. Um cheiro irreconhecível, porém angustiante, parece preencher o ar noturno. Por um momento ele fraqueja e imagina se a criatura temida pela população é de fato um mito. Ele engole em seco e balança a cabeça, tentando se livrar daqueles pensamentos incoerentes. Enche os pulmões e se prepara para gritar o nome de sua filha, mas pára em meio ao movimento, prendendo a respiração. Um som estranho corta os ruídos noturnos - um som chilreante, como água fervendo. Permanecendo imóvel e concentrado, o homem consegue sentir uma pequena vibração no solo, como centenas de pequenas pancadas distantes. Novamente ele tenta se convencer de que existe uma explicação razoável para aquilo tudo, mas não consegue. Dizem que a coisa come tudo, pedra, árvore e gente. Ele observa uma das árvores ao redor da clareira e percebe marcas peculiares nos troncos, nas pedras. Até a trilha que sai da floresta tem uma marca peculiar.

    O pescador dá um passo atrás e faz menção de virar-se para ir embora, mas algo lhe prende os olhos. Um vulto negro começa a deslizar, saindo de uma das fendas da rocha. O silvo se torna mais alto, mais distinto, assim como a vibração sob seus pés. Aquela criatura saída dos pesadelos se enrodilha e desliza pela encosta - olhos vívidos e malignos refletem a luz prateada do luar, centenas de pequenas patas castigam o chão em uníssono. O pobre pescador nada pode fazer, paralizado de terror. Aquela coisa parece não notar sua presença e vai se afastando, cascateando morro abaixo, como uma serpente feita de sombras e medo. Quando o pobre homem recobra suas capacidades, ele nota que as patas da criatura não são uniformes: cada par parece diferente em tamanho e cor. Quando suas pernas permitem, ele avança cautelosamente, a tempo de ver a cauda do bicho livrar as rochas.

    Ali, mais de perto, ele pode ver melhor a coisa cujo apetite é insaciável. A serpente que tudo come: pedra, árvore e gente. Abaixo dela, centenas de pares de pés - descalços, de botas, de tênis de sapatos. Todos os miseráveis que cruzaram seu caminho ali, condenados a carregar o causador do próprio fim. O pescador sente a boca secar e até mesmo a sua raiva empalidece ante a verdade serpenteante e negra. Suas pernas fraquejam e ele cai quando o último par passa por ele - sapatinhos de vinil, azul e brilhantes.

    Os moradores da vila dizem que, naquela noite ouviu-se um grito terrível vindo do morro. Apesar de ainda haver muita discussão, a maioria das pessoas concorda que o que a voz dizia era:

    - BERNUNÇA!

    E reza a lenda que, depois daquilo, sempre que alguém avista a Bernunça e sobrevive para contar, fala sobre um par de sapatinhos azuis, seguido por botas de pescador.




Arreda, arreda,
Senão ela te come!
Arreda do caminho
Que a Bernúncia tá com fome!

A bernunça é personagem da estória do boi-de-mamão (boi-bumbá ou bumba meu boi).
Diz a cantiga:

TAVA DEITADO NA SOMBRA
QUANDO OUVI FALAR EM GUERRA
QUANDO ACABA ERA A BERNUNÇA
QUE VINHA DESCENDO A SERRA

A BERNUNÇA É UM BICHO BRABO
JÁ ENGOLIU MANÉ JOÃO
COME PÃO, COME BOLACHA
COME TUDO QUE LHE DÃO

(G.F. Matos)

Pequena história explicando o pq do nome da linda praia.


Joaquina

Na Lagoa do século XIX, passou-se uma estória de amor e tragédia envolvendo o jovem casal Joaquina e Alberto. Joaquina filha de seo Aparício e dona Aninha, e Alberto um jovem pescador da Lagoa. Casal amoroso, Joaquina pedia-lhe que não fosse mais ao alto-mar, reclamando da ausência constante do seu amor. Alberto assegurou-lhe então que aquela seria sua última vez. E assim, aconteceu o inesperado. Albertinho não voltou mais do mar desaparecendo da vida de Joaquina na mesma ocasião em que perdera Ana, sua mãe e seu avô, restando-lhe somente o pai para cuidar. Mesmo morando na Lagoa, apesar da recusa do pai, passou a atravessar o areial (dunas) até a praia do mar grosso justificando tirar mariscos das pedras do costão para ajudar no orçamento da casa. Na verdade, estes passeios serviam simplesmente para que, olhando o mar, lembrasse do seu eterno amor. Passados três anos da morte do marido, a moça antes alegre e cheia de vida, demonstrava sinais de mulher sofrida e maltratada pela saudade. Como uma sina que lhe perseguia, numa manhã morre Aparício, em casa, em sua cama, como se entregasse voluntariamente à Deus. Assim, Joaquina deixa a Lagoa para morar na praia do mar grosso, isolando-se numa casa ao pé do costão. Sendo que, ao amanhecer de um dia de setembro sobre as maretas e a areia da praia, Joaquina é encontrada morta. Talvez por não poder mais suportar a falta dos seus entes queridos. A partir daí, a praia do mar grosso passou a ser conhecida como a praia da Joaquina.

(Baseado no livro Joaquina - A Garota da Praia, de Ademar C. de Mello)

Conflito entre dois lobos



Um velho cherokee dava lições de vida aos seus netos.

“Está se travando uma luta dentro de mim. Luta terrível, entre dois lobos.
Um é o medo, a cólera, a inveja, a tristeza, o remorso, a arrogância a auto-piedade, a culpa, o ressentimento, a inferioridade e a mentira.
O Outro é a paz, o amor, a alegria, a delicadeza, a benevolência, a amizade, a empatia, a generosidade, a verdade, a compaixão e a fé.
A mesma luta está se travando dentro de vocês e de todas as outras pessoas…”

As crianças puseram-se a refletir sobre o assunto e uma delas perguntou ao avô:

”Qual dos lobos vencerá?”

O ancião respondeu:

”Aquele que for alimentado…”

Cada vez que decidimos trilhar algum caminho, alimentamos um desses dois lobos.
Qual deles irá vencer dentro de você?

Iniciação dos Cherokees



Essa é uma história enviada por uma amiga muito especial. Se trata de um
rito de passagem da juventude para a maturidade.

***********

Ao final de uma tarde, quando o sol já vai se deitando para descansar de sua jornada no horizonte, o pai convida seu filho para uma caminhada pelas trilhas da floresta, que os levam até os pés da montanha, e de lá até o topo. Lá em cima, onde os ventos cantam sabedoria e trazem as vozes de nossos ancestrais, o pai venda-lhe os olhos e o deixa.

O jovem fica lá, sentado, sozinho, tendo por companhia apenas ele mesmo toda a noite, não podendo gritar por socorro e nem remover a venda dos olhos.
Enquanto a roda das estrelas vai passando, ele se sente ameaçado e ouve todos os tipos de sons que a noite faz. Se imagina rodeado por animais selvagens ou humanos que podem machucá-lo. Sente frio, fome, sede, medo e os insetos a castigarem sua pele. Mas o jovem se mantém firme e disciplinado, nunca removendo a venda que lhe cobre os olhos.

Assim é até que o sol, com seus dedos quentes e aconchegantes, acariciem seu rosto no dia seguinte e a venda seja removida. Ele então descobre seu pai sentado ao seu lado, próximo a ele. Estava ali, a noite inteira, protegendo seu filho do perigo.

***************


Obrigada, minha linda, por mais uma história para eu contar ao redor da fogueira, ou deitada numa rede no fim de ano. ^_^

Os Presentes do Rei - Parte Final



Muito embora o rei desempenhasse bem o papel de homem ambicioso, era péssimo no papel de homem malvado. Durante toda a noite, não conseguiu dormir, pensando na pobre mulher, acorrentada.
– Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? – lamentava-se.
Acordou os soldados e lá marcharam todos, de pijamas, até à gruta para a salvarem. Mas, quando chegaram, o rei encontrou a costureira e o urso a tomarem um pequeno almoço de frutos silvestres e mel. Vendo aquela cena, o rei esqueceu por completo a pena que sentira da costureira e voltou a ficar zangado. Ordenou, então, aos construtores reais de ilhas que construíssem uma ilha tão pequena que a costureira só lá pudesse ficar nas pontas dos pés. Novamente o rei lhe pediu uma manta e novamente ela recusou.
– Muito bem – respondeu o rei. – Esta noite, quando estiveres demasiado cansada para te manteres em pé e quiseres deitar-te para dormir, afogar-te-ás.
E o rei deixou-a só na minúscula ilhota.

Pouco depois de ele partir, a costureira viu um pardal atravessar o grande lago. Soprava um vento forte e violento e o pobre pássaro não parecia capaz de chegar a terra. A costureira chamou-o e ele pousou no ombro dela para descansar. Como o pobre e cansado pardal estava a tremer, a senhora fez-lhe uma capa de um pedaço de tecido do seu colete púrpura. Quando a ave se sentiu mais quente e o vento parou de soprar, levantou vôo de novo, grato pelo o que a costureira lhe tinha feito. Dali a pouco, o céu escureceu devido a uma enorme nuvem de pardais. Com as asas sempre a bater, milhares deles desceram, pegaram na mulher com os seus pequeninos bicos, e levaram-na em segurança para terra.

Novamente nessa noite, o rei não conseguia dormir a pensar na senhora, sozinha na ilha.
– Oh, meu Deus, o que é que eu fui fazer? – lamentava-se.
Voltou a acordar os soldados que estavam a dormir e lá marcharam, de pijamas, até o lago, para libertarem a costureira. Mas, quando chegaram, ela estava sentada no ramo de uma árvore a coser minúsculas capas cor de púrpura para todos os pardais.
– Desisto! – gritou o rei. – O que tenho de fazer para me dares uma manta?
– Como já te disse – respondeu ela – oferece tudo o que tens e eu faço-te uma manta. E, por cada prenda que dês, acrescento mais um quadrado à tua manta.
– Não consigo fazer isso! – gritou o rei. – Eu adoro todas as minhas lindas e maravilhosas coisas.
– Mas, se elas não te fazem feliz – retorquiu a costureira – para que servem?
– Lá isso é verdade – suspirou o rei.

E então ele pensou muito, muito no que ela dissera. Pensou durante tanto tempo, que as semanas se sucederam umas às outras.
– Pronto, está bem – disse entredentes. – Se tenho de me libertar dos meus tesouros, então que seja!
Dito isso, o rei regressou ao castelo e procurou, de uma ponta a outra, qualquer coisa da qual conseguisse abdicar. De semblante franzido, lá acabou por encontrar um simples berlinde. Acontece que, ao receber o presente, o rapazinho retribuiu o gesto com um sorriso tão radiante, que o rei regressou ao castelo para ir buscar mais coisas. Por fim, pegou num amontoado de casacos aveludados e foi distribuí-los às pessoas vestidas de trapos. Ficaram todas muito contentes, mas, ainda assim, o rei não sorria.

Em seguida, foi buscar uma centena de gatos siameses azuis, que dançavam valsas, e uma dezena de peixes transparentes como vidro. Depois, deu ordem para que trouxessem para fora o carrocel com os cavalos verdadeiros. As crianças gritaram de entusiasmo e puseram-se a dançar em redor dele. O rei olhou à sua volta e viu as danças, a felicidade e a alegria que os seus presentes tinham trazido. Uma criança pegou-lhe na mão e puxou-o para dançar. O rei agora sorria e até soltava gargalhadas.
– Como é isto possível? – exclamou. – Como é possível eu sentir-me tão feliz por dar as minhas coisas? Tirem tudo cá para fora! Tirem tudo imediatamente!

Nesse ínterim, a costureira manteve a sua palavra e começou a fazer uma manta especial para o rei. Por cada presente que ele dava, ela acrescentava outro quadrado à manta.
O rei continuou a dar e dar. Quando, por fim, não havia mais ninguém que não tivesse recebido alguma coisa, o rei decidiu ir pelo mundo e procurar outras pessoas que precisassem das suas prendas.
Antes de partir, no entanto, o rei prometeu à costureira que lhe enviaria um pardal todas as vezes que desse alguma coisa. De manhã, à tarde e à noite, as carroças partiam da cidade, cada uma delas carregada até em cima com todos os objetos maravilhosos do rei. E durante anos e anos, os pardais mensageiros foram voando até ao peitoril da janela da costureira, à medida que ele ia esvaziando lentamente os seus carros, por onde quer que passasse, e trocava os seus tesouros por sorrisos.

A costureira trabalhava sem parar e, pedaço a pedaço, a manta do rei foi crescendo, cada vez maior e mais bonita.
Por fim, certo dia, um pardal cansado entrou-lhe pela janela e pousou na agulha. A costureira compreendeu imediatamente que este era o último mensageiro. Deu o último ponto na manta e desceu a montanha em busca do rei. Após uma longa busca, encontrou-o finalmente. As suas vestes reais estavam agora em farrapos e os dedos dos pés espreitavam-lhe das botas. Os olhos brilhavam de alegria e o riso era maravilhoso e sonoro. A costureira retirou do saco a manta e desdobrou-a. Era de tal forma bela, que borboletas e colibris esvoaçavam à sua volta. Ergueu-se nas pontas dos pés e pô-la à volta do rei.
– O que é isto? – exclamou ele.
– Prometi-lhe há muito tempo – disse ela – que quando fosses pobre, te daria uma manta.
O riso radiante do rei fez cair maçãs e levou as flores a voltarem-se para ele.
– Mas eu não sou pobre – disse. – Posso parecer pobre mas, na verdade, o meu coração está cheio a mais não poder - cheio com as recordações de toda a alegria que dei e recebi. Agora sou o homem mais rico.
– Mesmo assim, fiz esta manta só para ti – disse a costureira.
– Obrigado – respondeu o rei. – Mas só fico com ela se aceitares uma prenda minha. Há um último tesouro que ainda não dei. Guardei-o todos estes anos só para ti.
O rei retirou o próprio trono do carro velho e frágil.
– É mesmo muito confortável – disse o rei. – Ideal para quem passa longos dias a coser.
A partir desse dia, o rei voltou muitas vezes à casa da costureira de colchas, que ficava bem lá em cima, perto das nuvens. Durante o dia, a costureira fazia lindas colchas que não vendia e, à noite, o rei levava-as para a cidade. Procurava, então, os pobres e infelizes, pois nunca se sentia tão feliz como quando dava alguma coisa a alguém.

Os Presentes do Rei - Parte I


Era uma vez, uma costureira de colchas que vivia numa casa velhinha, nas montanhas de bruma azulada. Até o mais idoso dos tetravôs não se lembrava de um tempo em que ela não estivesse lá em cima a coser, dia após dia.

Aqui e ali, e onde quer que o sol aquecesse a terra, dizia-se que ela fazia as colchas mais belas que um dia se tenha visto. Os azuis pareciam vir do mais profundo do oceano; os brancos, das neves mais boreais; os verdes e os púrpuras, das abundantes flores silvestres; os vermelhos, os cor-de-rosa e os cor-de-laranja, do mais maravilhoso dos pores-do-sol. Algumas pessoas diziam que os seus dedos eram mágicos, outras murmuravam que as suas agulhas e tecidos eram dádivas do povo das fadas. Diziam ainda, que as colchas tinham caído de anjos que por ali passavam.

Muita gente subia a montanha, com os bolsos a abarrotar de ouro, na esperança de comprar uma daquelas maravilhosas colchas. No entanto, a costureira não as vendia:
– Dou as minhas colchas aos que são pobres ou não têm casa – dizia a todos os que lhe batiam à porta. – Não são para os ricos.

Nas noites mais frias e escuras, a costureira descia até a cidade, que ficava no sopé da montanha, e percorria as ruas calcetadas até encontrar alguém a dormir ao relento. Então, tirava do saco uma manta novinha, enrolava-a nos ombros dos que tremiam de frio, aconchegava-os bem, e afastava-se depois nas pontas dos pés. No dia seguinte, depois de beber uma chávena fumegante de chá de amoras, começava uma nova manta.

Por esta altura, vivia também um rei, senhor de muito poder e ambição, que, mais do que tudo, gostava de receber presentes. As milhares e milhares de lindíssimas coisas que recebia pelo Natal e pelo seu aniversário nunca lhe bastavam. Proclamou, então, uma lei que dizia que o rei passaria a festejar o seu dia de aniversário duas vezes por ano. Quando isto também deixou de o satisfazer, deu ordens aos seus soldados para procurarem pelo reino as poucas pessoas que ainda não lhe tinham dado presente algum. No decurso dos anos, o rei foi ficando com quase todas as coisas mais bonitas do mundo. Os seus inúmeros bens estavam empilhados por todo o castelo. Em gavetas ou prateleiras, em caixas e arcas, em armários e sacos.

Coisas que brilhavam, cintilavam e tremeluziam.
Coisas extravagantes e práticas.
Coisas misteriosas e mágicas.
Eram tantas, que o rei tinha uma lista de tudo o que possuía.

Mas, apesar de ser dono de todos estes tesouros maravilhosos, o rei não sorria. Não era nada feliz:
– Deve haver, em algum lugar, algo de bonito que me faça sorrir novamente – ouvia-se o rei dizer muitas vezes. – E hei-de tê-lo.

Um dia, um soldado entrou precipitadamente no castelo com a notícia de uma mágica costureira de colchas que vivia nas montanhas. O rei bateu com o pé no chão:
– E por que razão essa pessoa nunca me deu nenhuma das suas colchas de presente? – perguntou ele.
– Ela só as faz para os pobres, Vossa Majestade – respondeu o soldado. – E não as vende por dinheiro algum.
– Isso é o que vamos ver! – bradou o rei. – Tragam-me um cavalo e mil soldados.
E assim, partiu à procura da costureira de colchas.

Quando chegaram à casa dela, esta limitou-se a rir:
– As minhas colchas são para os pobres e necessitados e vê-se facilmente que não és nem uma coisa nem outra.
– Eu quero uma dessas colchas – exigiu o rei. – Talvez seja o que finalmente me fará feliz.
A mulher pensou por um momento.
– Oferece tudo o que tens – disse – e então far-te-ei uma manta. Por cada coisa que deres, acrescento um quadrado à manta. Quando tiveres dado todas as tuas coisas, a tua manta estará terminada.
– Dar todos os meus maravilhosos tesouros? – gritou o rei. – Eu não dou, eu recebo!
E, dito isto, deu ordem aos soldados para se apoderarem da linda manta de estrelas da costureira. Mas, quando se precipitaram sobre ela, a mulher lançou a manta pela janela e uma forte rajada de vento a levou. O rei ficou muito zangado e levou a costureira montanha abaixo, atravessando a cidade e subindo outra montanha. Lá em cima, seus ferreiros reais fizeram uma grossa pulseira de ferro e, então, a costureira foi acorrentada em uma gruta onde um urso dormia. O rei pediu-lhe novamente uma manta, e uma vez mais ela recusou.
– Muito bem, então – respondeu o rei. – Vou te deixar aqui. Quando o urso acordar, tenho certeza de que vai fazer de ti um ótimo pequeno almoço.

Quando, algum tempo mais tarde, o urso abriu os olhos e viu a costureira na gruta, equilibrou-se nas fortes pernas traseiras e soltou um rugido que sacudiu os ossos da mulher. A costureira ergueu os olhos para o urso e abanou tristemente a cabeça.
– Não admira que sejas tão resmungão – disse. – Para além de rochas, não tens nada onde possas, à noite, descansar a cabeça. Arranja-me um braçado de agulhas de pinheiro e, com o meu xale, far-te-ei uma almofada grande e fofa. E foi isso que fez. Nunca ninguém fora antes tão amável para com o urso, que partiu a pulseira de ferro da mulher e pediu que lhe fizesse companhia durante a noite.

Continua...

********

Essa e as outras estórias foram todas coletadas de diversas fontes, a última foi encontrada enquanto eu navegava pela web :)

Quem tiver mais alguma pergunta, levante a mão... :P


Mahura - Aquela que trabalha

(Mito Africano)

Numa tribo distante, em tempos remotos, lá na África, um grupo de crianças perguntou ao velho e sábio sacerdote o porque de o céu ser tão belo e estar tão longe da terra. O sacerdote em sua sabedoria contou-lhes uma história que é mais ou menos assim:

“Quando Olorum criou o universo, o céu e a terra viviam juntos e em perfeita harmonia. As nuvens brincavam no chão junto às pedras. O vento divertia-se pregando peças nas folhas das palmeiras que dançavam ao som da brisa suave. As gotas de chuva misturavam-se às águas das cachoeiras e quase não se percebia a diferença entre os elementos do céu e os da terra. Essa harmonia perfeita durou muito tempo.

Um dia a terra resolveu que havia chegado a hora de ter um filho, pois sendo a terra, era a geradora da vida. E a terra teve uma filha a qual deu o nome de MAHURA (que significa aquela que trabalha). Mahura cresceu depressa e como seu nome dizia era muito trabalhadeira.
Durante o dia, Mahura cuidava dos ciclos da natureza e, à noite, ao invés de descansar sentava-se ao chão perto de um enorme pilão onde passava a triturar raízes, sementes e cascas. O pilão era mágico e quanto mais era usado, mais crescia. Mahura usava uma enorme mão-de-pilão para triturar as raízes e cada vez mais utilizava força para bater.
Com isso começou a machucar o céu que a princípio gemia baixinho mas, depois não suportando as dores causadas pela mão-de-pilão de Mahura, passou a reclamar. Mahura apenas dizia:

- Céu, sobe só um pouquinho.

Com isso o céu foi se distanciando cada vez mais chegando ao ponto de as nuvens não alcançarem mais o chão para brincar nem as gotas de chuva conseguiam mais molhar o solo que foi enfraquecendo e empobrecendo. Só então a pequena Mahura se deu conta do que havia feito e decidiu pedir desculpas ao céu para que ele voltasse.
Procurando um presente a menina retirou do leito de um rio, que teimava em correr, uma pepita dourada à qual deu o nome de sol. Do fundo de uma caverna escura retirou uma pedra branca e reluzente à qual deu o nome de lua. Atirou os presentes bem para o alto, um de cada lado do céu como pedido de desculpas. O céu aceitou os presentes, mas decidiu ficar lá no alto, pois era mais seguro.

Assim contaram, assim lhes contei: se dúvida tiverem do causo aqui narrado, olhem à noite para o céu. As estrelas que virão brilhando nada mais são do que as cicatrizes deixadas pelo pilão de Mahura.


Anansi e o Baú de Histórias

(Conto Africano)

Há muito tempo atrás, quando a terra era nova, não haviam histórias para se contar, pois todas pertenciam a Nyame, o Deus do Céu, que guardava todas elas em um baú de madeira.
Anansi, o Deus Aranha, que era muito curioso e esperto, decidiu que queria as histórias para si, podendo assim conta-las aos homens. Num dia bonito ele teceu uma imensa teia de prata, que ia do chão até o céu, e por ela subiu. Chegando no céu, procurou Nyame e lhe disse o que queria.
Nyame, ao ver aquela aranha velha pedindo tal coisa, chacoalhou todo o seu corpão numa grande risada e lhe disse em desafio:

- O preço de minhas histórias, Anansi, é muito caro. Só lhes dou se você me troxer Osebo, o leopardo de dentes terríveis; Mmboro os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu.
Para sua surpresa Anansi respondeu:
- Pagarei seu preço com prazer, ainda lhe trago Ianysiá, minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
O Deus do Céu, entre gargalhadas, disse:
- Ora Anansi, como pode um velho fraco como você, tão pequeno, tão pequeno, pagar o meu preço?

Mas Anansi nada respondeu, apenas desceu por sua teia de prata que ia do Céu até o chão para pegar as coisas que Deus exigia. Ele correu por toda a selva até que encontrou Osebo, leopardo de dentes terríveis.
- Aha, Anansi! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço.
- O que tiver de ser será - disse Anansi - Mas primeiro vamos brincar do jogo de amarrar?
O leopardo que adorava jogos, logo se interessou:
- Como se joga este jogo?
- Com cipós, eu amarro você pelo pé com o cipó, depois desamarro, aí, é a sua vez de me amarrar. Ganha quem amarrar e desamarrar mais depressa. - disse Anansi.
- Muito bem, rosnou o leopardo que planejava devorar o Homem Aranha assim que o amarrasse.
Anansi, então, amarrou Osebo pelo pé, pelo pé, pelo pé e pelo pé, e quando ele estava bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore dizendo:
- Agora Osebo, você está pronto para encontrar Nyame o Deus do Céu.

Depois de muito pensar sobre como pegaria Mmboro, ele teve uma idéia; Cortou uma folha de bananeira, encheu uma cabaça com água e atravessou o mato alto até a casa de Mmboro. Lá chegando, colocou a folha de bananeira sobre sua cabeça, derramou um pouco de água sobre si, e o resto dentro da casa de Mmboro.
- Está chovendo, chovendo, chovendo, vocês não gostariam de entrar na minha cabaça para que a chuva não estrague suas asas?
- Muito obrigado, Muito obrigado! Zumbiram os marimbondos entrando rapidinho para dentro da cabaça, que Anansi tampou mais rápido ainda.
O Homem Aranha, então, pendurou a cabaça na árvore junto a Osebo dizendo:
- Agora Mmboro, você está pronto para encontrar Nyame, o Deus do Céu.

Lá se foi ele para casa pensando em como ia pegar a fada. Chegando lá teve uma outra idéia muito boa; esculpiu uma boneca de madeira e cobriu-a de cola da cabeça aos pés, depois colocou-a aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente, colocou uma tigela de inhame assado, amarrou a ponta de um cipó na cabeça da boneca, e foi se esconder atrás de um arbusto próximo, segurando a outra ponta do cipó e esperou. Minutos depois chegou Moatia, a fada que nenhum homem viu. Ela veio dançando, dançando e dançando, como só as fadas africanas sabem dançar, até aos pés do flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame.
- Boneca de borracha. Estou com tanta fome, poderia dar-me um pouco de seu inhame?
Anansi puxou a sua ponta do cipó e a boneca disse sim com a cabeça. A fada, então, comeu tudo, depois agradeceu:
- Muito obrigada boneca.
Mas a boneca nada respondeu. A fada achando falta de educação ameaçou:
- Boneca, se você não me responde, eu te bato.
E como a boneca continuava parada, deu-lhe um tapa ficando com sua mão presa na sua bochecha cheia de cola. Mais irritada ainda, a fada ameaçou de novo:
- Se você não me responde, eu vou lhe dar outro tapa.
E como a boneca continuava parada, deu-lhe um tapa ficando agora, com as duas mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou livrar-se com os pés, mas eles também ficaram presos. Anansi saiu de trás do arbusto satisfeito com sua esperteza e carregou a fada até a árvore onde estavam Osebo e Mmboro dizendo:
- Agora Mmoatia, você está pronta para encontrar Nyame o Deus do Céu.

Depois disso tudo só faltava uma coisa. Foi andando até a casa de Ianysiá, sua velha mãe, sexta filha de sua avó e disse:
- Mãe venha comigo vou leva-la a Nyame em troca de suas histórias.

Anansi então teceu uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos marimbondos e da fada, e uma outra que ia do chão até o Céu e por ela subiu carregando seus tesouros e sua mãezinha até os pés do trono de Nyame.
- Ave Nyame! - disse ele -Aqui está o preço que você pede por suas histórias: Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro, os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu. Ainda lhe trouxe Ianysiá minha velha mãe, sexta filha de minha avó.
Nyame ficou maravilhado, e chamou todos de sua corte dizendo:
- O pequeno homem aranha trouxe o preço que peço por minhas histórias, de hoje em diante, e para sempre, elas pertencem a Anansi e serão chamadas de histórias de Anansi! Cantem em seu louvor!

Anansi, depois da festa, desceu maravilhado por sua teia de prata levando consigo o baú das histórias até o povo de sua aldeia, e quando ele abriu o baú, as histórias se espalharam pelos quatro cantos do mundo vindo chegar até aqui.

Colorin, Colorado!
O conto está acabado.
Quem quiser ouvir outra vez, feche os olhos e conte até três!

As Cataratas do Iguaçu.


Há muitos anos atrás, quando o Rio Iguaçu corria livre, sem corredeiras e nem cataratas, viviam as suas margens a tribo dos Caingangues. A terra, que não tinha fronteiras, como hoje a conhecemos, acolhia a tribo e o rio, que tanto amavam e respeitavam, lhes oferecia o sustento.

Os Caingangues serviam com temor ao deus Mboi – gigantesca serpente que habitava as profundezas o rio Iguaçu. O deus Mboi, para abençoá-los, exigia que lhe entregassem as indiazinhas mais bonitas da aldeia. Numa cerimônia muito triste, as índias ornamentadas com flores, como noivas, despediam-se de suas famílias e, depois, eram levadas de canoa até o meio do rio; ali, saltavam para as águas escuras e passavam o resto de suas vidas servindo a Mboi.

Os anos passavam e nada mudava. Certa vez, uma velha índia pariu uma filha às margens do Iguaçu. Naipi cresceu para tornar-se a mais bela jovem que já fora vista pelos olhos dos Caingangues. Seus olhos possuíam as nuances das Grandes Águas quando iluminadas pela luz do sol ou da lua. Sua formosura era tanta que, quando ela se mirava no rio, as águas paravam para admirá-la.

Um dia, quando ela se banhava no rio, Mboi a viu e seu coração estremeceu: aquela era a mais linda de todas as mulheres! Imediatamente, ordenou que a entregassem a ele.

Que pena! Todos na aldeia ficaram angustiados, mas não havia outro jeito; seria necessário sacrificar a jovem. Naipi estava prometida, em seu coração, para um jovem guerreiro, Tarobá. O sofrimento por saber da iminente separação os deixou em profunda agonia porque Naipi não ousava pedir que a tribo desobedecesse ao deus, por medo de que ele os castigasse a todos. Naipi e Tarobá decidiram, então, atrair para si mesmos a ira de Mboi e resolveram fugir, esperando que o amor que sentiam um pelo outro fosse maior que o poder de Mboi.

Era tempo das cheias e a única rota de fuga possível era justamente pelo domínio do deus-serpente: o rio Iguaçu. O monstro percebeu a fuga e enfureceu-se muito, perseguindo os dois jovens apaixonados. Apesar de ser grande e poderoso, de repente, Mboi viu que Tarobá e Naipi conseguiriam escapar em direção ao rio Paraná. Assim, num esforço supremo, ele ergueu seu imenso corpo, produzindo um som ensurdecedor pelo deslocamento das águas; em seguida, deixou-se cair com estrondo, criando uma enorme fenda no rio Iguaçu que, devido ao impacto, teve sua extensão toda fendida, em abismais catadupas.

Surgiram, assim, as esplêndidas Cataratas do Iguaçu, cuja beleza pungente só pode ser comparada à formosura da face de Naipi e cuja força só se mede pelo amor dos dois jovens.
A canoa que os levava foi tragada pelas águas e desapareceu.

Como castigo, Naipi foi transformada em uma das grandes rochas centrais das Cataratas, perpetuamente fustigada pelas águas revoltas; e Tarobá foi convertido em uma palmeira situada à beira de um abismo, inclinada sobre a garganta do rio. Um podia ver o outro, mas jamais poderiam se tocar novamente.

Dizem que Mboi está lá até hoje, vigiando os dois apaixonados, escondido debaixo dessa palmeira, onde se encontra a entrada de uma gruta sob a Garganta do Diabo.

Fui ao moinho
moí a farinha
quem quiser que conte a sua
pois eu já contei a minha..